Álbum de Elis Regina comprado por Rosalía no Rio livrou a cantora de ser vista como ultrapassada em 1970
04/12/2025
(Foto: Reprodução) Capa do álbum ‘...Em pleno verão’, lançado em 1970 por Elis Regina (1945 – 1982)
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♫ MEMÓRIA
♬ Nas andanças de Rosalía pelo Rio de Janeiro (RJ), houve tempo para compras. E a cantora espanhola foi embora do Brasil com um álbum de Elis Regina na bagagem. Sim, como mostrou foto que circulou na internet, Rosalía comprou edição em LP de ... Em pleno verão, álbum lançado pela cantora gaúcha em 1970.
Esse disco completa 55 anos em 2025 sem perda do viço. Idealizado e produzido por Nelson Motta, com direção musical e arranjos do maestro e pianista paulistano Erlon Chaves (1933 – 1974), o álbum ...Em pleno verão simboliza momento de virada na discografia de Elis Regina Carvalho Costa (17 de março de 1945 – 19 de janeiro de 1982), grande cantora que dali a 12 anos sairia precocemente de cena, aos breves 36 anos, para se transformar numa das saudades mais choradas e ainda doídas do Brasil.
...Em pleno verão foi o álbum em que a cantora se converteu ao soul, ao rock e ao blues, deixando de lado os ranços nacionalistas da década de 1960. Atento aos sinais, Nelson Motta percebeu que Elis corria sério risco de ser vista precocemente como uma cantora antiga, ultrapassada pelas transformações do universo pop na efervescente segunda metade da década de 1960.
Elis contribuiu para isso porque demorou a aceitar e absorver as conquistas da Jovem Guarda – em bom português, a beleza e a relevância do cancioneiro de Roberto Carlos e Erasmo Carlos (1941 – 2022) – e as liberdades estéticas promovidas pela Tropicália. Basta lembrar que o nome da cantora encabeçara elenco que se reunira em 1967 na hoje risível passeata contra a guitarra elétrica.
Em defesa de nacionalismo musical já inconcebível em um universo pop em permanente ebulição, com a explosão do soul e do rock reverberando no Brasil, Elis marchou contra a evolução irrefreável da música brasileira. Tanto que, menos de cinco anos após ter sido em 1965 a sensação da MPB que irrompera na plataforma inflamada dos festivais, Elis já ameaçava soar deslocada, parada em uma transversal do próprio tempo.
Foi salva justamente pelo álbum ...Em pleno verão, disco quente e solar, como sinalizava o título. ...Em pleno verão amplificou a voz de Elis Regina a reboque de grande sucesso radiofônico, Vou deitar e rolar (Quaquaraquaquá) (Baden Powell e Paulo César Pinheiro, 1970). A cantora caiu no suingue desse samba aliciante e quebrou tudo. Inclusive as paradas.
Sim, Elis riu muito da concorrência em 1970, ano em que também estourou com a gravação de Madalena (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza), samba cheio de soul que lançou posteriormente em single dissociado do álbum ...Em pleno verão.
Contudo, a importância de ...Em pleno verão extrapola o sucesso comercial. No disco, a então desafeta da Tropicália se reconciliou musicalmente com os então exilados Caetano Veloso e Gilberto Gil, fornecedores de duas músicas – Não tenha medo e Fechado para balanço, respectivamente – que captaram o clima tenso de época em que alguns artistas tinham forçosamente o aeroporto como a única saída do Brasil. Caetano e Gil, entre eles.
Em 1970, o cerco se fechava enquanto o Brasil se abria para o soul nacional de Tim Maia (1942 – 1998), cantor com quem Elis protagonizou duelo vocal (em que deu empate) na música These are the songs, da lavra então jovial de Tim.
Havia também, em dose dupla, Jorge Ben, este em alta por conta do consagrador álbum de 1969 que trouxe País tropical e outros hits. Elis, que já vinha cantando Zazueira (1967), registrou duas músicas de Ben no disco. Bicho do mato (1964) e a então inédita Até aí morreu Neves (1970) jamais figuraram entre os alicerces da obra do compositor, mas contribuíram para dar frescor ao verão de Elis.
E frescor foi o que não faltou na abordagem – meio roqueira, meio blueseira – de As curvas da estrada de Santos (1969), clássico instantâneo da dupla Roberto e Erasmo Carlos, lançado no ano anterior na voz de Roberto. Era Elis correndo atrás do tempo perdido e da modernidade que já pautava a discografia de Gal Costa (1945 – 2022), a cantora mais aclamada de 1969.
As músicas Comunicação (Edson Alencar e Hélio Matheus), Copacabana velha de guerra (Joyce Moreno e Sergio Flaskman), Frevo (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) e Verão vermelho (Nonato Buzar) – em gravação diferente da veiculada na trilha sonora da homônima novela exibida pela TV Globo naquele ano de 1970 – completaram o repertório do caloroso álbum que rejuvenesceu Elis Regina aos olhos e ouvidos do público. Um disco que, 55 anos depois, continua pleno de sentido como no verão de 1970.
Rosalía fez uma boa compra nas andanças cariocas.