As ações da segurança do Ceará são suficientes para combater facções? Pesquisador aponta 'incapacidade'

  • 24/11/2025
(Foto: Reprodução)
Ações do estado são suficientes para conter avanço das facções no Ceará? Um relatório do Núcleo de Inteligência da Polícia Civil do Ceará revela uma prática criminosa em expansão no Estado: a expulsão de famílias de suas residências por ordens de facções. De janeiro de 2024 a setembro de 2025, a Secretaria da Segurança Pública registrou 219 casos de deslocamentos forçados, como a pasta denomina as expulsões. Esse fenômeno é uma das ações das facções, que envolvem também assaltos, mortes e extorsões. Siga o canal do g1 Ceará no WhatsApp Em entrevista ao g1, Artur Pires, professor da Universidade Estadual do Ceará e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC, traçou um panorama histórico sobre como o Ceará chegou a esta situação. Para ele, o Estado demonstra "incapacidade para garantir segurança e proteção aos seus cidadãos", falhando no contrato social básico. Mudança do cenário criminal As ações da segurança do Ceará são suficientes para combater facções? Divulgação/Polícia Civil do Ceará Pires explica que a criminalidade no Ceará passou por uma transformação significativa ao longo das décadas. Tudo começou com as gangues de rua ou de bairro, que surgiram em Fortaleza entre meados e o final dos anos 80. Esses grupos duelavam em bailes funks, uma prática que se estendeu durante toda a década de 90. Com a proibição dos bailes por recomendação do Ministério Público no final dos anos 90, parte dessa juventude migrou para as torcidas organizadas e outra parte para as "quadrilhas territoriais", grupos que se articulavam para assaltos, roubos e o tráfico varejista. "Esses grupos se caracterizavam por demarcações territoriais, fronteiras simbólicas muito bem definidas. O mesmo bairro poderia ter quadrilha A, quadrilha B e quadrilha C e membros integrantes de uma quadrilha A não poderiam frequentar, no mesmo bairro, os espaços de uma quadrilha B", detalhou o pesquisador. O ano de 2015, segundo Pires, foi um marco. Foi quando as grandes facções nacionais começaram a ocupar as periferias de forma ostensiva. "Antes de 2015, você não escutava em periferias de Fortaleza que essa periferia é de facção A, essa é de facção B. Você não escutava isso, não acontecia". Nesse novo contexto, bairros inteiros precisaram se unir. "Quadrilhas territoriais que eram rivais precisaram se unir por conta de um comando da facção. Por exemplo, se num bairro havia três quadrilhas rivais, elas se uniram em torno de uma mesma facção", explicou. Hoje, as facções travam lutas territoriais por bairros e grandes territórios, disputados pelo meio armado. Por que o Ceará é estratégico? A chegada das grandes facções nacionais ao Ceará, conforme o professor, ocorreu já na década de 90, inicialmente com o objetivo de traçar rotas estratégicas para escoar drogas pelos portos e aeroportos do estado. As articulações entre esses grupos e os líderes locais começaram, sobretudo, no sistema penitenciário. Artur Pires aponta três razões principais que tornam o Ceará um ponto estratégico e disputado pelas facções: Economia: o Ceará é uma das maiores economias do Norte e Nordeste, com Fortaleza detendo o maior PIB da região Nordeste. Uma economia pujante atrai as facções pelo dinheiro em circulação e pelo grande mercado interno consumidor de drogas. Infraestrutura: o estado possui uma boa infraestrutura de portos e aeroportos. O Porto do Pecém é um dos maiores do Norte e Nordeste e tem parceria com o Porto de Roterdã. Já o Aeroporto Internacional Pinto Martins está entre os 10 mais movimentados do Brasil e é o quarto em movimentação de cargas. Esses modais são cruciais para o tráfico atacadista. Posição geográfica: a localização do Ceará, mais próxima da Europa, África e Estados Unidos, barateia os custos logísticos das operações criminosas. O tripé do poder faccional Segundo o pesquisador, esses grupos armados não estatais funcionam por meio da violência e se sustentam em três pilares: Dominação territorial armada. Imposição de normas, regras, modos de comportamento e de sociabilidade sobre as populações dominadas. Variadas formas de obter recursos econômicos, que vão além do tráfico de drogas e armas, roubos e assaltos. Essa ingerência se reflete no cotidiano das pessoas sob seu domínio, que passam a viver sob o medo e com a imposição de normas de conduta. "Determinados gestos não podem mais fazer, determinadas cores não podem usar, determinados cortes de cabelo e cores de cabelo não podem colocar. É uma ingerência decisiva e violenta na vida, na liberdade individual das pessoas", afirmou. Combate às facções e o projeto Antifacção Questionado sobre como o Ceará e o Brasil têm enfrentado o problema, Artur Pires citou o Projeto de Lei (PL) Antifacção, atualmente em discussão no Congresso Nacional. Ele destacou alguns pontos do texto aprovado na Câmara, que ainda pode ser modificado pelo Senado: Destinação de bens apreendidos: Parte dos bens apreendidos em operações passaria a ser destinada também aos fundos estaduais de segurança pública, e não apenas ao fundo nacional. A Polícia Federal, segundo Pires, reclama que isso pode cortar suas verbas em médio prazo. Intervenção em empresas: Se uma empresa for descoberta tendo conexão com facções ou milícias, um juiz poderá determinar uma intervenção, destituindo o quadro societário e assumindo a administração até o fim da investigação. "Acho que é uma ideia interessante, precisamos ver na prática como que ela vai funcionar", ponderou. Endurecimento de penas: O professor foi crítico a este ponto, muito popular junto à opinião pública. "Você aumentar as penas das pessoas quer dizer que você propõe que mais pessoas fiquem mais tempo nas penitenciárias. Mas se prender pessoas resolver essa questão, nós temos a quarta maior população carcerária do mundo e a nossa população carcerária cresceu nas últimas décadas concomitantemente ao crescimento, à expansão da criminalidade urbana". Para ele, este é o ponto que "menos resolve a questão". Críticas às políticas de segurança Sobre a postura do Estado do Ceará, Artur Pires aponta "equívocos": "eu analiso, interpreto como uma atuação historicamente, nas últimas décadas, equivocada". Na sua avaliação, a política de segurança tem se baseado em contratar policiais, comprar viaturas, armamentos e tecnologias e construir delegacias e centros integrados de segurança. "Isso é insuficiente. A gente precisa, na verdade, pensar a segurança pública vinculada com, no médio e longo prazo, você dá dignidade", defendeu, citando a necessidade de investimentos em educação, cultura, lazer, esporte e moradia digna para que crianças e adolescentes não sejam "encantados por esse simbolismo da facção". Além disso, o pesquisador voltou a enfatizar a necessidade de "desbaratar as redes de ilegalidade e corrupção que as facções estabeleceram com grandes atores estatais e econômicos". "Enquanto a gente não fizer isso, a gente vai estar, como diz no popular, enxugando gelo. O crime organizado precisa ser considerado não apenas pelas facções que estão lá nas periferias, mas o crime organizado envolve também os agentes poderosos no Estado e no mundo econômico." O papel do sistema penitenciário Por fim, Pires abordou o sistema penitenciário, berço das duas maiores facções do país, classificando as prisões brasileiras como um "grande fracasso civilizacional". Ele critica a superlotação, os maus-tratos, as torturas e as violações, que fazem com que as pessoas saiam "mais revoltadas, mais indignadas com a sociedade". "A gente precisa repensar, fundar um novo tipo de instituição para custodiar pessoas", propôs, defendendo que os presos tenham acesso real à educação, cultura, cinema, teatro e práticas artísticas. "Isso transformaria essas pessoas no sentido de dar-lhes humanidade. A gente precisa dar humanidade a essas pessoas, e não piorar o estado de desumanidade que elas já estão." O especialista refutou a ideia de uma relação causal direta entre pobreza e criminalidade, lembrando que a maioria da população periférica não pratica crimes. Ele argumenta que a percepção se dá porque os crimes cometidos por agentes periféricos – como tráfico, roubo e assalto – provocam uma maior reação social e moral do que os crimes de colarinho branco. "O crime é uma rede que conecta várias classes sociais. Essa é a realidade científica do assunto", concluiu. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará:

FONTE: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2025/11/24/as-acoes-da-seguranca-do-ceara-sao-suficientes-para-combater-faccoes-pesquisador-aponta-incapacidade.ghtml


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