Fila de cirurgias do SUS no RS tem quase 220 mil à espera; veja dados
31/12/2025
(Foto: Reprodução) Pacientes aguardam cirurgias eletivas via SUS no RS
Pela primeira vez em um ano, a fila da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul para consultas com especialistas apresentou queda. Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que o Rio Grande do Sul soma, atualmente, 620 mil pedidos de consulta pelo SUS, uma redução de 50 mil em relação ao último levantamento, divulgado em novembro.
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A melhora, no entanto, não se reflete na etapa seguinte do atendimento. Quem consegue a consulta pode enfrentar outra espera, que pode durar anos: a fila de cirurgias eletivas reúne quase 220 mil pedidos de procedimentos em todo o estado, segundo números inéditos também revelados via LAI.
Moradora de Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, a dona de casa Valéria Flores da Silva passa os dias com dor na coluna. Ela fica semanas sem subir ao andar superior da casa, onde está a sala, por não conseguir subir a escada. Por isso, dorme no quarto de hóspedes, que fica no andar térreo.
“Faz mais de mês que eu não vou lá pra cima. É muito difícil”, desabafa Valéria.
Dona de casa Valéria Flores da Silva
Reprodução/ RBS TV
Ela precisa da ajuda do marido para tomar banho e fazer o básico de casa, como cozinhar.
Valéria aguarda consulta com ortopedista desde 2020. Além da dor física, ela relata que o impacto emocional é profundo.
“É muito triste. Você não tem ideia. Eu choro todo dia. Eu tenho um quarto ali que eu apelidei de ‘quarto do choro’, porque ou eu tô rezando ou eu tô chorando”, lamenta.
Se precisar de cirurgia após o diagnóstico com especialista, Valéria terá de enfrentar outra fila: dos 219 mil pedidos de cirurgia via SUS cadastrados na secretaria estadual da Saúde, a especialidade com maior demanda é justamente ortopedia, com 45 mil solicitações, seguida por cirurgia do aparelho digestivo (33 mil) e cirurgias da visão (31 mil).
O construtor Valmir de Freitas Inácio, morador de Sapucaia do Sul, também é um desses pacientes. Ele está na fila desde 2022 e precisa de uma prótese para o fêmur.
“Meu estado de saúde agravou bastante. A cada dia que passa eu fico pior, com dificuldade para caminhar. Não consigo mais fazer os meus afazeres e hoje dependo dos meus filhos e da minha mulher”, declara.
Construtor Valmir de Freitas Inácio
Reprodução/ RBS TV
Durante os três anos de espera, Valmir passou a sentir dores também no joelho e na coluna.
“O médico disse que, do jeito que tá a situação da perna, da coluna e do joelho, ele não me dá mais um ano caminhando”, afirma.
Outro caso envolve um aposentado de 69 anos, que prefere não se identificar. Ele está internado há 80 dias no Hospital Getúlio Vargas, também em Sapucaia do Sul, aguardando transferência para operar a perna.
“Conformado eu não digo, mas o psicológico está bom. Tem que aceitar, não tem o que fazer”, comenta.
Diabético, ele já perdeu uma perna e corre o risco de novas amputações. O alerta é do diretor-geral do hospital, Clóvis Schmitz.
“A amputação de membros inferiores pode causar isquemia. Ele pode perder dedos dos pés e, se a situação se agravar e não forem feitos os procedimentos necessários, pode chegar até a uma amputação total da perna”, declara Schimitz.
Imagem ilustrativa de paciente deitado
Reprodução/ RBS TV
Investimento em saúde
Prefeituras afirmam que os repasses federais e estaduais não cobrem os custos reais da saúde. O prefeito de Sapucaia do Sul, Valmir Rodrigues, diz que o município investe em saúde um percentual superior aos 15% previstos na Constituição.
“O dinheiro que vem do governo federal e do governo estadual é insuficiente. Quem banca essa diferença é o município de Sapucaia do Sul”, afirma.
Um levantamento da Associação das Federações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) mostra que todas as cidades ultrapassaram o percentual mínimo constitucional na soma dos investimentos dos últimos cinco anos. A entidade defende, entre outras medidas, a atualização da tabela do SUS.
As cinco cidades que mais investem em saúde (percentual da receita), segundo a Famurs:
Esteio – 33,62%
Panambi – 32,96%
Cidreira – 32,70%
Estância Velha – 31,74%
São Leopoldo – 31,08%
“Temos que cuidar da atenção básica e também abrir espaço para ajudar nas especialidades, no transporte e em toda essa estrutura que a saúde pública hoje está exigindo”, diz a presidente da Famurs, Adriane Perin.
Em agosto, após reportagem da RBS TV revelar o descumprimento da norma constitucional que prevê investimento mínimo de 12% das receitas estaduais em saúde, o governo do estado firmou acordo com o Ministério Público do Rio Grande do Sul. Pelo acordo, esse percentual deverá ser atingido gradualmente até 2030.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que, com o programa Agora Tem Especialistas, a pasta "instituiu uma nova tabela de financiamento do SUS, estabelecendo um novo padrão de remuneração que supera definitivamente a Tabela SUS – em alguns procedimentos com valor até três vezes maior. Como resultado, em 2025, o Brasil deve registrar recorde de cirurgias eletivas na rede pública de saúde – a expectativa é ultrapassar 14,7 milhões de procedimentos, o que representa um crescimento de 40% em relação a 2022 em todo o país". (leia, abaixo, na íntegra)
O que diz o governo do RS
"O Governo do Estado do Rio Grande do Sul, por meio da Secretaria Estadual da Saúde, segue avançando na redução das filas de consultas e cirurgias eletivas, com planejamento e investimentos na regionalização da assistência no âmbito do SUS Gaúcho.
Somente nos últimos meses deste ano, o governo investiu mais de R$ 56 milhões para criar 62 novos ambulatórios de especialidades em hospitais do RS, justamente para aproximar o atendimento do cidadão, garantindo resolutividade e evitando deslocamentos desnecessários. Foram criadas novas referências em cardiologia e hemodinâmica — incluindo atendimentos em Lajeado, Xangri-Lá e a abertura de serviço de cardiologia de alta complexidade em Santa Maria.
Com essa ampliação, o RS passou a a contar com 508 ambulatórios que recebem incentivos financeiros do Estado, um aumento de mais de 400% em relação ao início do programa Assistir, em agosto de 2021, quando 101 recebiam incentivos. Além disso, o Estado aumentou em 40% os valores repassados a 196 hospitais que atendem urgências e emergências, e criou um incentivo que está sendo pago a 26 serviços municipais de pronto atendimento.
Para 2026, estão previstos R$ 758 milhões para a ampliação de programas e serviços estratégicos, com foco na qualificação do acesso e na redução de filas em especialidades como ortopedia, oftalmologia, cirurgia geral, dermatologia, urologia e otorrinolaringologia, além da implantação de outros ambulatórios estratégicos e do fortalecimento das equipes de saúde mental.
Em 2025, desde 15 de outubro, já foram realizadas mais de 75 mil consultas em oftalmologia e ortopedia de joelho por meio do SUS Gaúcho, reduzindo significativamente as principais filas de espera.
Desde 2019, o Estado superou um cenário de mais de R$ 1 bilhão em dívidas e consolidou uma política contínua de investimentos, com R$ 1,2 bilhão aplicados em infraestrutura e mais de R$ 1,4 bilhão por ano em custeio e incentivos hospitalares, reforçando o compromisso do Governo do Estado com um SUS mais resolutivo, regionalizado e capaz de garantir atendimento oportuno e de qualidade à população gaúcha."
O que diz o Ministério da Saúde
"Com o programa Agora Tem Especialistas, o Ministério da Saúde instituiu uma nova tabela de financiamento do SUS, estabelecendo um novo padrão de remuneração que supera definitivamente a Tabela SUS – em alguns procedimentos com valor até três vezes maior. Como resultado, em 2025, o Brasil deve registrar recorde de cirurgias eletivas na rede pública de saúde – a expectativa é ultrapassar 14,7 milhões de procedimentos, o que representa um crescimento de 40% em relação a 2022 em todo o país.
O Agora Tem Especialistas está voltado à expansão da assistência especializada para acelerar o atendimento dos pacientes e reduzir o tempo de espera por cirurgias, exames e consultas. Entre as iniciativas, está o repasse adicional de R$ 1 bilhão para 3.498 hospitais filantrópicos e Santas Casas em todo o país. Os recursos inauguram novo modelo de financiamento do setor, com reajuste anual dos valores por procedimentos acima da inflação, superando a Tabela SUS. Para o Rio Grande do Sul, foram destinados R$ 72,5 milhões a 376 instituições.
Em 2025, foi realizado o maior mutirão da história do SUS com atendimentos em 210 hospitais universitários e Santas Casas de todo o país no fim de semana. As mobilizações somam mais de 100 mil cirurgias, consultas e exames. No Rio Grande do Sul, foram 3 mil procedimentos.
Por meio do Programa, o Grupo Hospitalar Conceição aumentou em 44% o número de cirurgias programadas em relação à média histórica e, com o terceiro turno de atendimento, foram mais de 700 mil procedimentos. Com isso, houve uma redução do tempo de espera por cirurgias de cerca de 30% - em ortopedia, esse índice foi de 47,3%."
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