Migrantes em Roraima voltam a usar instalações sanitárias fechadas por suspensão de ajuda do governo Trump
10/07/2025
(Foto: Reprodução) Instalações em Boa Vista e em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, foram reabertas nesta segunda-feira (30). Elas foram fechadas em janeiro de 2025, após o governo dos Estados Unidos suspender o repasse de verbas americanas destinadas à ajuda humanitária em outros países. Kesler Pedra, de 34 anos, é migrante venezuelana e uma das usuárias da instalação da Caritas, em Boa Vista
Caíque Rodrigues/g1 RR
"Podemos usar o banheiro, fazer nossas necessidades com dignidade... é isso que queremos: dignidade", diz a migrante venezuelana Kesler Pedra, de 34 anos. Ela é uma das usuárias das instalações sanitárias da Cáritas Brasileira, reabertas em Boa Vista após meses fechadas por falta de repasses dos Estados Unidos à ajuda humanitária.
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As instalações em Boa Vista e em Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela, voltaram a atender os migrante a última segunda-feira (30). O local voltou a funcionar diariamente, no horário das 8h às 17h. A meta é atender ao menos 500 migrantes por dia.
Somente na primeira semana em que as instalações foram reabertas, 1.958 migrantes acessaram os serviços gratuitos ofertados, como higiene pessoal, como uso de banheiro, duchas, fraldários, lavanderia e bebedouro com água potável. Os número são da Caritas Brasileira.
Kesler migrou com a esposa e dois filhos — um de 2 e outro de 9 anos — há 6 meses. Ela veio do estado venezuelano de Aragua e aguarda o momento para passar pela interiorização — como é chamado o processo que leva os migrantes venezuelanos de Roraima para outros estados.
Instalação sanitária que atende migrantes e refugiados em situação de rua é reaberta em Boa Vista (RR).
Ailton Alves/Rede Amazônica
Ela conta que desde janeiro, quando as instalações foram fechadas, ela e a família precisavam esperar horas para entrar fazer as necessidade básicas no abrigo onde vivem.
"A gente tinha que esperar para entrar nos banheiros do abrigo. Era bem difícil. Agora, com esse espaço, podemos usar o banheiro cedo, depois do café da manhã. Isso facilita muito. Gostamos também porque abriram a lavanderia na [Igreja Nossa Senhora] da Consolata. Isso ajuda bastante, já que, vivendo na rua, não conseguimos lavar nossas roupas".
"Como somos imigrantes e não estamos num abrigo fixo, muitas vezes temos que sair bem cedo desses locais. Então, graças a Deus, agora temos essas instalações abertas que nos ajudam muito", disse ao g1.
Instalação sanitária que atende migrantes e refugiados em situação de rua é reaberta em Boa Vista (RR)
Yara Ramalho/g1 RR
Com a reabertura, o nome da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), que coordena e distribui toda a ajuda dos Estados Unidos enviada para situações de conflitos ou emergências pelo mundo, e a bandeira do país norte americano foram expostos novamente. Os nomes haviam sido cobertos a época do fechamento, no início do ano.
"Graças aos esforços e diálogos permanentes com diversos atores sociais, com o governo federal e com a cooperação internacional e também por meio de nossa campanha de arrecadação 'A Sua Doação Promove Direitos', a Cáritas Brasileira conseguiu reativar, integralmente ou parcialmente, as outras instalações de higiene que mantém em Pacaraima e Boa Vista", informou.
Os espaços foram fechados, pela primeira vez, em janeiro de 2025. O fechamento ocorreu após a determinação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que decretou a paralisação imediata dos repasses de fundos americanos destinados à ajuda humanitária em outros países.
Todas as instalações sanitárias fazem parte do projeto Orinoco: Águas que Atravessam Fronteiras. Só em 2024, mais de 50 mil migrantes foram atendidos pelo projeto nas duas cidades roraimenses.
🚰 'Precisamos da nossa higiene'
Gladys Turmero, de 72 anos, usou as instalações da Caritas em Boa Vista pela primeira vez nesta quarta-feira (2)
Caíque Rodrigues/g1 RR
A migrante Gladys Turmero, de 72 anos, chegou a Roraima há três dias, vinda de Barcelona, no estado de Anzoátegui. Quando chegou, as instalações ainda estavam fechadas e, ao conversar com o g1, usava o espaço pela primeira vez.
Ela passou os primeiros dias em Boa Vista usando os banheiros dos abrigos — que nem sempre estão disponíveis por conta da lotação. Ela aguarda interiorização para Mato Grosso, onde a família já está morando.
"Hoje tomei banho, escovei os dentes, fiz tudo isso aqui. Se não fosse esse espaço, eu não teria onde me lavar e nós precisamos do nosso higiene", disse.
As instalações não atendem apenas venezuelanos. Migrantes cubanos também usam os serviços. No primeiro trimestre de 2025, os pedidos de refúgio feitos ao Brasil por cidadãos de Cuba ultrapassaram os da Venezuela pela primeira vez em 10 anos.
Oller Luis Marreno Martinez, de 57 anos e Alexei Rodrigues Osório, de 38 anos, são cubanos e vivem em Roraima há 36 dias
Caíque Rodrigues/g1 RR
O enfermeiro Oller Luis Marreno Martinez, de 57 anos veio com o companheiro, o metalúrgico Alexei Rodrigues Osório, de 38 anos, de Havana, capital de Cuba. Eles chegaram em Boa Vista há 36 dias e comemoram o retorno dos serviços.
Antes da reabertura, eles relatam que tinham dificuldades de usar os serviços do abrigo Rondon 2, onde vivem, por conta da superlotação e, agora, conseguem se lavar, beber água e até carregar o celular.
"A nossa higiene é importante, além também da convivência com as outras pessoas... está sendo o máximo. Espero de verdade que continue assim, porque estamos muito necessitados desse serviço. É muito bom", disse Alexei Rodrigues.
Migrantes venezuelanos usam instalações da Caritas para higiene pessoal em Boa Vista
Caíque Rodrigues/g1 RR
Eles relataram que chegaram a tomar banho e lavar as roupas no rio Branco quando as instalações estavam fechadas.
"Quando não dava, íamos até o rio. Ou então tentávamos usar o abrigo, mas lá é muito cheio e as condições são ruins", afirmou o enfermeiro.
Espaços fechados
Migrantes sentados na frente de instalações da Cáritas em Boa Vista (RR).
Yara Ramalho/g1 RR
Em janeiro de 2025, os espaços foram fechados após a paralisação imediata dos repasses de fundos americanos destinados à ajuda humanitária em outros países.
As instalações chegaram a ser reabertas provisoriamente por dez dias em fevereiro, com recursos próprios levantados pela organização. Nos três últimos meses em que estiveram funcionando, entre novembro de 2024 e janeiro de 2025, mais de 4 mil pessoas foram atendidas.
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Em maio, o projeto "Sumaúma: Nutrindo Vidas", que distribuí refeições a refugiados, migrantes venezuelanos e pessoas em situação de vulnerabilidade social em Roraima, também retomou parte das atividades na capital Boa Vista. Ele estava suspenso desde fevereiro de 2025.
As atividades foram retomadas com a oferta apenas do almoço — antes, as refeições também incluíam o café da manhã. A comida é servida no Posto de Recepção e Apoio (PRA) da Operação Acolhida, na capital.
O projeto voltou a funcionar após doações de alimentos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, além das feitas pela população e por outras organizações, de acordo com a Rede Cáritas, responsável pelo projeto. Agora, ele também conta com o apoio financeiro da Catholic Relief Services (CRS).
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