Ucrânia abre mão de aderir à Otan antes de negociações de paz
14/12/2025
(Foto: Reprodução) Zelensky na Assembleia Geral da ONU em setembro de 2025.
Reuters/Shannon Stapleton
A Ucrânia abriu mão da sua ambição de ingressar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em troca de garantias de segurança do Ocidente, como parte de um compromisso para encerrar a guerra com a Rússia, afirmou o presidente Volodymyr Zelensky.
A declaração foi feita antes de reuniões que ele terá com enviados dos Estados Unidos, em Berlim.
A medida representa uma mudança significativa para a Ucrânia, que vinha lutando para entrar na Otan como forma de se proteger de ataques russos. O país tem, inclusive, essa aspiração prevista em sua Constituição.
O gesto também atende a uma das principais exigências de Moscou, embora o governo ucraniano continue rejeitando qualquer cessão de território.
No domingo, Zelenskiy afirmou que garantias de segurança oferecidas pelos Estados Unidos, por parceiros europeus e por outros aliados, em substituição à adesão à Otan, representam um compromisso feito pela Ucrânia.
“Desde o início, o desejo da Ucrânia era entrar na Otan, essas são garantias reais de segurança. Alguns parceiros dos EUA e da Europa não apoiaram essa direção”, afirmou, em resposta a perguntas de jornalistas em um chat no WhatsApp.
“Assim, hoje, garantias bilaterais de segurança entre a Ucrânia e os EUA, garantias semelhantes ao Artigo 5º para nós por parte dos EUA, e garantias de segurança de colegas europeus, bem como de outros países — Canadá, Japão — são uma oportunidade de evitar uma nova invasão russa”, disse Zelenskiy.
“E isso já é um compromisso da nossa parte”, acrescentou, ressaltando que as garantias de segurança precisam ser juridicamente vinculantes.
O que a Rússia exige e as negociações de paz
O presidente russo, Vladimir Putin, tem exigido repetidamente que a Ucrânia renuncie oficialmente às suas ambições de ingressar na Otan e retire tropas de cerca de 10% da região de Donbas que Kiev ainda controla.
Moscou também afirma que a Ucrânia deve ser um país neutro e que nenhuma tropa da Otan pode ser estacionada em seu território.
Fontes russas disseram no início deste ano que Putin quer um compromisso “por escrito” das principais potências ocidentais de não expandir a aliança da Otan, liderada pelos EUA, para o leste — uma forma de descartar formalmente a adesão da Ucrânia, Geórgia, Moldávia e outras ex-repúblicas soviéticas.
Zelenskiy havia defendido anteriormente uma paz “digna” e garantias de que a Rússia não voltaria a atacar a Ucrânia, enquanto se preparava para se reunir com enviados dos EUA e aliados europeus em Berlim para tentar encerrar o conflito mais letal da Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
Sob pressão do presidente dos EUA, Donald Trump, para assinar um acordo de paz que inicialmente atendia às exigências de Moscou, Zelenskiy acusou a Rússia de prolongar a guerra por meio de bombardeios mortais contra cidades e contra as infraestruturas de energia e abastecimento de água da Ucrânia.
Embora a composição exata das reuniões de domingo e segunda-feira não tenha sido divulgada, uma autoridade americana afirmou que o enviado de Trump, Steve Witkoff, e o genro do presidente, Jared Kushner, estavam viajando à Alemanha para negociações envolvendo ucranianos e europeus.
A escolha de enviar Witkoff, que liderou negociações com Ucrânia e Rússia sobre uma proposta de paz dos EUA, pareceu sinalizar que Washington vê uma chance de avanço quase quatro anos após a invasão russa de 2022.
Zelenskiy disse que Ucrânia, europeus e EUA estão analisando um plano de 20 pontos e que, ao final dele, há um cessar-fogo. Ele afirmou que Kiev não mantém negociações diretas com a Rússia.
Segundo Zelenskiy, um cessar-fogo ao longo das atuais linhas de frente seria uma opção justa.
O chanceler alemão, Friedrich Merz, recebe Zelenskiy e líderes europeus para uma cúpula na capital alemã nesta segunda-feira, no mais recente de uma série de gestos públicos de apoio ao líder ucraniano por aliados de toda a Europa.
Momento crítico
Reino Unido, França e Alemanha vêm trabalhando para refinar as propostas dos EUA, que, em um rascunho divulgado no mês passado, previam que Kiev cedesse mais território, abandonasse sua ambição de ingressar na Otan e aceitasse limites às suas forças armadas.
Aliados europeus descreveram a situação como um “momento crítico” que pode moldar o futuro da Ucrânia e buscaram reforçar as finanças de Kiev utilizando ativos congelados do banco central russo para financiar o orçamento militar e civil do país.
Putin recebeu Witkoff e Kushner em uma reunião no início de dezembro que o Kremlin descreveu como “construtiva”, embora nenhum avanço significativo tenha sido alcançado.
Zelenskiy afirmou que centenas de milhares de pessoas ainda estavam sem energia após ataques russos às redes de eletricidade, aquecimento e abastecimento de água em amplas regiões da Ucrânia, publicando imagens de prédios em chamas e destruídos.
“A Rússia está prolongando a guerra e busca causar o máximo de dano possível ao nosso povo”, disse.
A invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, em 2022, provocou um colapso nas relações com o Ocidente e intensificou alertas de líderes da Otan e da Europa de que Putin não pararia por aí.
O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, afirmou em discurso em Berlim na quinta-feira que a aliança deve estar “preparada para a escala de guerra que nossos avós ou bisavós enfrentaram” e declarou que “somos o próximo alvo da Rússia”.
O Kremlin rejeitou repetidamente essas afirmações.
“Isso parece uma declaração de um representante de uma geração que conseguiu esquecer como a Segunda Guerra Mundial realmente foi”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, ao repórter da TV estatal Pavel Zarubin, no domingo.
“Eles não têm compreensão, e infelizmente o senhor Rutte, ao fazer declarações tão irresponsáveis, simplesmente não entende do que está falando”, acrescentou Peskov.